Monday, July 18, 2011

A Prefeitura e os camelôs

Atolada em escândalos de corrupção e desacreditada pela maior parte dos munícipes, a prefeitura de Campinas está lançando uma série de campanhas para "moralizar" a administração pública, dentre as quais se inclui uma maior fiscalização contra a pirataria e a possível transferência do camelodromo para a estação Fepasa. Trata-se, logicamente, de mais uma tentativa para desviar a atenção dos eleitores dos reais problemas e passar uma imagem de austeridade às custas da atividade dos menos favorecidos. Contudo, tais medidas abrem espaço para reflexões importantes a respeito do comércio ilegal e do empreendedorismo como um todo: sabendo que boa parte dos produtos comercializados por camelôs é de procedência ilegal e, consequentemente, financia o crime organizado, como combater esse lado nocivo da profissão sem retirar de um expressivo conjunto de famílias seus meios de sustento? Penso que a solução é mais simples do que parece e se resume, simplesmente, em reduzir drasticamente nossa hedionda carga tributária e abrir espaço para que aqueles que se empregam no comércio ilegal montem pequenas empresas e coloquem em prática suas habilidades de empreendedores - injustamente cerceadas por um sistema tributário e jurídico que não dá outra saída senão a inadimplência -, gerando renda para si mesmos, dinamizando a economia e - importante - reduzindo a clientela do crime organizado. Se isso não for feito, toda medida tomada para dificultar a vida dos camelôs não passará de mera demagogia ou de reforma urbana no sistema (falido) inspirado em Haussmann e Pereira Passos.

Wednesday, July 13, 2011

O Exemplo de Itamar

Itamar Franco - que nos deixou há pouco mais de uma semana - deve servir de exemplo para todos aqueles que pensam em reconstruir (ou construir do zero?) a vida política de nosso país. Desde o início de sua carreira esteve firmemente comprometido com a democracia; ao contrário dos políticos de hoje em dia, nunca teve medo de ficar na oposição, cumprindo bravamente esse papel desde a ditadura militar. No decorrer de sua longa carreira, foram pouquíssimos os momentos em que esteve ao lado do poder e em nenhuma dessas situações foi conivente com os desmandos praticados. Eleito vice de Collor em 1989, rompeu com o rajá das Alagoas diante de seu poupulismo barato e de suas práticas nada ortodoxas de exercício do poder; ao assumir a presidência, no final de 1992, Itamar forneceu uma série de bons exemplos que nos devem servir de norte para o estabelecimento de princípios para a reforma da vida política: 1) com o auxílio da sóbria liderança do senador Pedro Simon, estabeleceu uma relação republicana com o congresso nacional, tendo sido o presidente que menos se rendeu ao fisiologismo partidário na nova república. 2) valendo-se da liberdade fornecida pelo equilíbrio de poderes, abriu a possibilidade de que um grupo de técnicos competentes, sob a liderança do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, empreendesse o mais bem sucedido plano econômico da nova república, livrando o país de uma inflação que beirava índices similares aos piores da república de Weimar. E, finalmente, Itamar deixou a presidência pobre e morreu em condições patrimoniais muito inferiores às ostentadas por vereadores que integram o atual condomínio de poder. Em 2010, já idoso e doente, foi o único senador que teve a coragem de enfrentar a sanha de poder do palácio do planalto, que continua se empenhando em anular qualquer possibilidade de funcionamento autônomo do legislativo. Sua morte nos deixa um imenso vácuo político, mas também um grande exemplo. Espelhemo-nos em Itamar Franco!

Saturday, July 9, 2011

O que é um Estado laico?

Neste post não pretendo expor nenhuma ideia pronta, mas apenas expressar uma dúvida decorrente de meus estudos de história e ciência política e pedir aos leitores que me ajudem a enriquecer minhas reflexões: em que consiste exatamente um Estado laico? Respondendo de maneira superficial, poderíamos dizer que um Estado laico é aquele em que política e religião (pelo menos em suas expressões institucionais) não se misturam. Inegavelmente temos hoje em dia - pelo menos no mundo ocidental - sistemas políticos que funcionam com base nesse princípio; caso esteja muito enganado, não existe nenhum Estado nacional ocidental - salvo o Vaticano - regido pelo direito canônico. Uma resposta mais elaborada iria no sentido de traçar uma linha demarcatória clara entre a lógica da política e a lógica da religião, sendo que uma não poderia interferir na outra. Minha dúvida incide precisamente sobre esse ponto: como demarcar essa linha? Toda decisão política - inclusive o processo que leva à elaboração e promulgação de uma norma jurídica - é movida por uma grande variedade de vetores sociológicos, psicológicos, doutrinários e... religiosos. Se isso é verdade, torna-se impossível afastar por completo o elemento religioso da política oficial, haja vista a presença de bancadas religiosas no congresso e a recorrência de argumentos religiosos para defender ou atacar determinados projetos de lei, mas nem por isso podemos dizer que o Estado deixou de ser laico e que voltamos à idade média. Minha dúvida, portanto, permanece: em que sentido devemos entender, hoje, o Estado laico?

Friday, June 24, 2011

O Princípio Responsabilidade

Na faculdade de direito, quando cursamos uma disciplina chamada "direitos fundamentais", salta à vista o gritante contraste entre a pletora de direitos e garantias individuais que vem se avolumando desde a revolução francesa em inúmeras constituições, tratados, declarações e a inefetividade - sociologicamente constatada - dos mesmos frente aos abusos que continuam a ser cometidos contra a dignidade individual. Esse problema fundamental para nossa futura atividade como juristas é sempre deixado em aberto, sendo que não vejo nenhuma discussão que desça do céu estrelado das abstrações e busque enfrentá-lo de maneira sistemática a partir dos dados concretos com os quais nos deparamos na vida cotidiana. Correndo o risco de extrapolar de minhas competências de simples estudante, venho aqui propor a abertura de uma reflexão sobre os direitos fundamentais a partir de uma via pouco explorada: a de sua correlação com a ideia de responsabilidade. Para tanto, chamo em meu auxílio um trecho da obra clássica do cientista político Bertrand de Jouvenel, O Poder (história natural de seu crescimento), na qual o autor discorre sobre a genealogia da ideia de liberdade (o primeiro e mais importante dos direitos fundamentais). Contrariando a tradição inatista abraçada por nossos manuais - cujos mentores são Rousseau e Kant - Jouvenel constrói sua reflexão a partir do método genealógico desenvolvido por Nietzsche, para quem a liberdade é não um atributo inato da personalidade, mas uma construção histórica de milhares de anos a partir de uma situação primitiva de opressão e equalização dos indivíduos denominada "eticidade dos costumes", conjunto de preceitos salvaguardados por violentas sanções e cuja única razão de ser é o asseguramento da coesão coletiva (algo próximo à "solidariedade mecânica" de Durkheim). Sob essa perspectiva, o sinal histórico do surgimento da liberdade seria a possibilidade de um conjunto de indivíduos defender com suas próprias forças uma esfera individual de ação sobre a qual a coletividade não mais teria direito: reduz-se, assim, a força da eticidade dos costumes em prol do surgimento de indivíduos livres e capazes de defender sua liberdade e brota, pela primeira vez, a esfera dos direitos subjetivos. A contrapartida necessária dessa liberdade é o surgimento da responsabilidade individual, pois o indivíduo é livre a um só tempo para defender e vincular seu patrimônio e seu próprio corpo em um compromisso e tem orgulho em poder fazê-lo; como dizia Nietzsche, o indivíduo soberano é aquele a quem "é permitido fazer promessas". Do ponto de vista social, a essa qualidade moral corresponde um conjunto de virtudes que inspiram profundo respeito coletivo por essa classe de homens e - por seu turno - a obrigação de que estes se portem de maneira digna em relação aos que não se encontram nesse patamar. O processo histórico de decadência dessa elite "livre" tem como cerne o fortalecimento do poder do Estado, que se dá concomitantemente à perda das qualidades morais dos homens livres, substituídos por uma arrogante plutocracia, que - por trás do exercício de prerrogativas de cargos públicos - se furta de qualquer tipo de responsabilidade e leva a seu reboque uma classe cada vez mais avolumada de dependentes pobres, facilmente manipulados a partir dos roncos de seus estômagos e impotentes para reagir frente ao abuso de seus dirigentes. Em poucas palavras, o fortalecimento do poder do Estado é inversamente proporcional à efetividade das liberdades individuais. Mas, poderiam objetar, como aplicar uma reflexão feita tendo como cenário o mundo antigo (especialmente a república romana) à atual problemática dos direitos fundamentais? Penso que o estudo genealógico da formação e do desaparecimento das liberdades antigas nos fornecem importantes lições para compreendermos a situação desse começo de século XXI: a primeira delas é a inefetividade do aumento do poder do Estado como assegurador das liberdades individuais; de pouco vale termos um imenso conjunto de diplomas jurídicos contendo garantias se não temos indivíduos fortes e conscientes para defendê-las. Mas como produzir indivíduos fortes em uma sociedade democrática, sem termos que recorrer à anacrônica ideia de uma aristocracia? Ressalta aqui a importância de um sistema de educação básica que fortaleça de maneira enfática a noção de responsabilidade individual e aponte para a necessidade de se corrigir o descompasso atualmente vigente entre demandas coletivas e disponibilidade para se dedicar ao conjunto social. Parece mesmo que a cada grito de parcela da sociedade por mais direitos verificamos seja um enfraquecimento do corpo social (cada vez mais vulnerável ao surgimento de aberrações como gangues armadas) seja a inefetividade do Estado em assegurar o cumprimento de condições mínimas para a fruição desses mesmos direitos. Ora, se o Estado não é capaz nem mesmo de assegurar a integridade física de seus cidadãos (no Brasil morrem cerca de 50 mil pessoas por ano, vítimas de homicídios), é ele capaz de fornecer garantias mais substanciais para cada um dos grupos sem obliterar a possibilidade de autodeterminação de todos? Como dizia o jurista Rudolph von Jhering, o pilar sobre o qual se sustenta o direito é a luta, e o princípio dessa luta é a responsabilidade, que se traduz tanto na tutela dos direitos individuais quanto na virtude cívica em relação ao todo social. Resgatemos o princípio responsabilidade.

Monday, June 20, 2011

Sobre a descriminalização da maconha

Mais uma vez as "elites pensantes" de nosso país tornam solenemente as costas para a opinião de ampla maioria da população (segundo o datafolha, 74% dos brasileiros são contrários à descriminalização da maconha) e buscam impor - através do intenso controle que exercem sobre os meios de comunicação - uma pretensa solução para a galopante expansão do uso de drogas no Brasil (estatística na qual andamos na contramão da maioria dos países latinoamericanos, que reduzem anualmente o número de usuários): deixar de tratar o usuário (por enquanto, de maconha, notória porta de entrada para todos os tipos de drogas pesadas) como criminoso e transferir o problema da competência da polícia para a saúde pública. Paralelamente, afirma nossa inteliggentsia, reforçar-se-ia o combate ao tráfico, tanto por meio do policiamento de fronteiras como pela promulgação de normas jurídicas mais duras para punir os traficantes, no estilo da lei de crimes hediondos atualmente em vigor. Seria de bom alvitre levantar algumas dificuldades das quais padece este plano de ação, por nós sumariamente exposto: a primeira delas é de caráter sociológico e se resume ao fato evidente de que a descriminalização do uso resultaria instantaneamente num aumento do mesmo, dado que encorajaria os atuais consumidores a intensificarem o consumo ao mesmo tempo em que afastaria a inibição de expressiva parte da população que atualmente deixa de fazê-lo por simples fidelidade à lei (sim, meus amigos, isso ainda existe); um exemplo recente pode nos ajudar a compreender melhor a situação: consultado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo sobre a dispersão de uma "roda de fumo" numa praça pública por parte da autoridade policial, um conhecido magistrado de Campinas afirmou que a polícia não tem competência para fazê-lo, pois a atividade dos "fumantes" não ofende nenhum bem jurídico. Pensemos, portanto, no grau de salubridade de nosso espaço público caso um entendimento como esse venha a ser adotado, não é preciso muita imaginação para projetar a futura presença de mini-cracolândias em territórios bem maiores do que os atuais. A segunda dificuldade reside no evidente afogamento de nosso sistema público de saúde, que ainda se vê às voltas com doenças típicas do terceiro mundo, como a malária, a cólera e o sarampo. Não obstante isso tudo, o parco orçamento destinado à saúde pública seria realocado para cuidar de pessoas que tomaram uma infeliz decisão pessoal, em detrimento das verdadeiras vítimas da miséria de nosso país (como aqueles desprovidos de saneamento básico). O terceiro ponto pode ser encarado como o reflexo econômico do fato social descrito no primeiro: um aumento na demanda fatalmente produzirá um aumento na oferta e nossa polícia, nossas forças armadas e - com maior razão - nosso sistema judiciário, que já não possuem condições materiais para dar combate ao tráfico internacional, sofrerão maiores dificuldades do que no presente momento. Diante desse ponto, ainda no campo econômico, cabe uma pergunta: quem produz, comercializa e lucra com o tráfico de drogas e armas em nosso país? Resposta óbvia: as FARCS colombianas, que terão suas receitas e seus arsenais fartamente alimentados caso se vejam diante da oportunidade de expandir seu honrado comércio. Sendo assim, o argumento de que a legalização do consumo diminuiria a violência cai estrondosamente por terra, pois esta aumentaria tanto no âmbito urbano quanto no âmbito internacional. Para encerrar esse longo post, levanto uma reflexão que gostaria de desenvolver melhor em outra ocasião: a descriminalização do uso de drogas vai na mesma direção de uma tendência clara de nosso atual universo jurídico que busca expandir o rol de direitos e garantias sem a necessária contrapartida de responsabilidades individuais (entenda-se: garantias mais nominais que efetivas). Esse fato é de uma clareza meridiana no direito penal, campo em que os doutrinadores buscam abrir cada vez mais portas para a impunidade apontando para o caráter inegavelmente precário de nosso sistema carcerário, cometendo, assim, aquela falácia argumentativa à qual os lógicos denominam "erro categorial", mas que toca em cordas profundas de nossa sensibilidade. Devemos, com isso, ficar atentos, para que essa nociva reforma não seja feita - alheia ao controle democrático - pelas mãos do Supremo Tribunal Federal, órgão sensível aos apelos de nossa "elite pensante", mas não àquilo que o povo nas ruas efetivamente pensa e defende.

Monday, April 11, 2011

A Farsa do desarmamento

A tragédia ocorrida na última semana em uma escola do Rio de Janeiro criou a ocasião para que o governo federal desengavetasse um projeto que estava momentaneamente afastado devido a uma escolha soberana da população brasileira: o desarmamento do cidadão comum, rejeitado no referendo de 2005 por maioria significativa do eleitorado. Contudo, diante dos eventos da escola no Realengo, eis que surge mais uma vez o discurso: "precisamos controlar a venda de armas e estimular aqueles que já as possuem a doá-las para destruição".
Diante dessa afirmativa, cabe uma pergunta óbvia: as armas e munições utilizadas pelo crime organizado e por maníacos de todo tipo são obtidas legalmente e com porte autorizado mediante o complexo procedimento previsto em lei ou pela via do contrabando? A resposta é por demais óbvia.
Contudo, se aprofundarmos o debate, surge outra questão de maior complexidade: por que o governo de Lula e de sua ajudante de ordens tem tamanho interesse em desarmar o cidadão comum, que obteve seu porte de armas pelas vias legais? A questão é complexa, mas se a empreitada for bem sucedida, os resultados não são difíceis de prever: teremos o poder, mais do que nunca, concentrado nas mãos do Estado e a população na completa dependência de uma polícia ineficiente para executar uma tarefa que - na maior parte da história da civilização - coube ao indivíduo enquanto particular: a defesa imediata de sua vida e de seu patrimônio. É fato público e notório que nas grandes civilizações da história (desde a Grécia antiga, passando por Roma até o atual império americano) os indivíduos particulares foram treinados para portar armas no serviço militar obrigatório e, ao se desmobilizarem, continuavam na posse de armas em suas casas, sem que isso resultasse em aumento da violência, muito pelo contrário. Basta verificar que nos estados americanos em que a população é mais armada (legalmente, claro) os índices de criminalidade são baixíssimos.
No caso brasileiro, uma população que não exerce esse direito democrático básico - inclusive como contrapartida à concentração natural de poder nas mãos do Estado moderno - é cada vez mais reduzida à impotência, à covardia e à incapacidade de autodefesa diante de agressões à luz do dia, como vem ocorrendo diariamente em nossas grandes cidades. Diante do quadro atual, a virtude da coragem vai, irremediavelmente, se concentrando nas mãos de uns poucos criminosos, que, sozinhos, conseguem tornar a grande maioria da população sua refem.

Friday, March 4, 2011

O Santo Graal da reforma política

Uma das mais freqüentes – e postergadas – promessas da república democrática iniciada em 1985 é a realização de uma ampla reforma política que possibilite uma melhor organização de nosso fragmentário sistema de partidos, a transposição do déficit de representatividade nas casas legislativas e o controle público dos gastos em campanha; espera-se que, uma vez atendido este conjunto de demandas, ocorrerá naturalmente um revigoramento do embate político, condição indispensável para a efetividade de todo regime democrático. Diante da real possibilidade de um acordo parlamentar que realize essas aspirações, apresentamos a seguinte indagação: em que medida a reforma política está vinculada ao ressurgimento (ou, no caso brasileiro, para o surgimento) do embate entre valores que perfaz a arena política de uma democracia?
Como justificação para este vínculo encontramos a constatação (empiricamente demonstrada por uma série de estudos, como os “Modelos de Partido”, de Panebianco) de que alterações em um sistema partidário só são viáveis onde existam partidos fortes e com um elevado nível de organização institucional. Moral: o aumento do caráter fragmentário do sistema caminha de maneira inversamente proporcional à sua abertura a reformas. É precisamente este o ponto que ocupará posição de destaque na recém instalada comissão parlamentar de reforma política e que poderá resultar em um grande acordo entre os principais partidos da casa (PT, PMDB, PSDB e DEM), situação que abriria espaço para rápida aprovação da reforma política em plenário pela via da votação simbólica.
Contudo, dentre estes partidos, o único que ostenta um projeto claro é o PT, que busca, com real perigo para as instituições, reduzir as distâncias entre funções partidárias e cargos públicos por meio da progressiva ocupação do Estado por seus quadros. Como corolário desse projeto temos a tese, publicamente defendida, de que um aumento nas funções do Estado é condição indispensável para a eliminação da miséria e a diminuição da concentração de renda. Retomando um argumento exposto em post recente (http://florenceunicamp.blogspot.com/2011/02/o-papel-da-oposicao.html), questiono se a implementação da reforma política insuflará nos partidos de oposição a força interna necessária para defender publicamente outras vias para a solução destas questões históricas, como uma maior valorização da iniciativa privada sem prejuízo para o atendimento social dos mais pobres. Como constatou Jürgen Habermas (“O Discurso Filosófico da Modernidade”), a peculiaridade do mundo pós-revolução francesa é o embate entre valores em uma vigorosa esfera pública, orquestrado por um conjunto de instituições democráticas que garanta a continuidade do processo sem a imposição definitiva de qualquer um desses valores. Nesse contexto, os partidos políticos são agentes privilegiados no combate democrático, mas, é preciso frisar, seu arcabouço organizativo não se confunde com os valores que ostenta, nem, tampouco, os compromissos que contrai podem solapar em definitivo os programas com os quais se apresentam ao público.
Aqui as reflexões do cientista político e do filósofo praticamente se confundem, pois a defesa normativa de uma tendência histórica não compete àquele, mas a este, que busca enxergar por debaixo de pesados esqueletos institucionais um determinado conteúdo axiológico. Chamando a atenção para este conflito de competências verificamos que, no caso da reforma política, uma aposta unilateral na efetividade das instituições pode conduzir, num determinado momento histórico, à vitória totalitária do conjunto axiológico que melhor se articula: no caso, o da estatolatria.