Wednesday, September 7, 2011

O Sentido do 7 de setembro

Conforme demonstrou o historiador Mircea Eliade, em seu ensaio clássico "O Sagrado e o profano", uma característica comum a todas as sociedades primitivas é a reprodução periódica de seu ato de fundação, encenado conforme o roteiro de um mito transmitido desde um passado remoto. Desse ritual, em que tomava parte toda a comunidade, dependia a sobrevivência e a prosperidade da mesma, motivo pelo qual ele não podia deixar de acontecer, sob pena de motivar a ira dos deuses.
Empregando uma analogia com as sociedades secularizadas do século XXI, notamos que a quase totalidade dos países do globo terrestre apresentam anualmente algum tipo de espetáculo em memória de seu ato de fundação, especialmente quando este se deu mediante a forma de declaração de independência. A mensagem social difundida por esses eventos é a reafirmação presente dos princípios e ideias sob cuja inspiração se fundaram os países em questão. 
Se pensarmos no caso brasileiro, quais foram os princípios e ideias que formaram nosso país? Segundo o crítico Roberto Schwarz, a marca característica do pensamento que deu origem às nossas instituições é que ele operava conforme um mecanismo de deslocamento que poderia ser designado pela expressão "as ideias fora do lugar". A gênese desse quadro se explica pela adoção de princípios liberais e democráticos europeus em uma sociedade marcada pela escravidão e pelo predomínio das relações de clientela e favorecimento no serviço público, de modo que os princípios que exerceram uma função contestadora e revolucionária em solo europeu aqui não serviram para nada mais que revestir com uma aparência legítima e moderna um conjunto de relações que atravancam o progresso. 
Passados quase dois séculos de nossa independência, parece que continuamos a sofrer os efeitos das ideias fora do lugar: o republicanismo, a democracia, a constituição dirigente e suas as várias formas de garantias se deslocam como pretexto para o agigantamento do estado (e, consequentemente, da corrupção) na mesma medida em que permanecem em grande medida inefetivos na prática. Perplexa diante desse quadro, boa parte da opinião pública e das classes letradas brasileiras jogam a culpa desse estado de coisas na classe política, esquecendo que ele resulta de um caldo cultural que provém mais de nossa formação como país do que de um grupo de pessoas que nos governa de maneira predatória, corrupta e inadequada. Dependendo cada vez mais do estado para impulsionar seu padrão de vida (haja vista a quantidade de pessoas empregadas, ou que almeja um emprego, no serviço público), o brasileiro médio se rebela hoje contra a corrupção como um cliente que se queixa de um serviço mal prestado e não como o produtor justamente indignado contra aquele que tolhe os frutos de seu trabalho. Daí a resposta para a pergunta tão difundida: "por que no Brasil ninguém se rebela contra a corrupção?" 
À guisa de conclusão, pode-se afirmar que os males que experimentamos hoje em matéria de política são ainda os ecos de nossa ambígua formação nacional, que agrupou sob uma imagem moderna os problemas não resolvidos de nosso passado clientelista. Em face disso, cabe a pergunta: em nome do que vale a pena celebrarmos o 7 de setembro?