Friday, March 4, 2011

O Santo Graal da reforma política

Uma das mais freqüentes – e postergadas – promessas da república democrática iniciada em 1985 é a realização de uma ampla reforma política que possibilite uma melhor organização de nosso fragmentário sistema de partidos, a transposição do déficit de representatividade nas casas legislativas e o controle público dos gastos em campanha; espera-se que, uma vez atendido este conjunto de demandas, ocorrerá naturalmente um revigoramento do embate político, condição indispensável para a efetividade de todo regime democrático. Diante da real possibilidade de um acordo parlamentar que realize essas aspirações, apresentamos a seguinte indagação: em que medida a reforma política está vinculada ao ressurgimento (ou, no caso brasileiro, para o surgimento) do embate entre valores que perfaz a arena política de uma democracia?
Como justificação para este vínculo encontramos a constatação (empiricamente demonstrada por uma série de estudos, como os “Modelos de Partido”, de Panebianco) de que alterações em um sistema partidário só são viáveis onde existam partidos fortes e com um elevado nível de organização institucional. Moral: o aumento do caráter fragmentário do sistema caminha de maneira inversamente proporcional à sua abertura a reformas. É precisamente este o ponto que ocupará posição de destaque na recém instalada comissão parlamentar de reforma política e que poderá resultar em um grande acordo entre os principais partidos da casa (PT, PMDB, PSDB e DEM), situação que abriria espaço para rápida aprovação da reforma política em plenário pela via da votação simbólica.
Contudo, dentre estes partidos, o único que ostenta um projeto claro é o PT, que busca, com real perigo para as instituições, reduzir as distâncias entre funções partidárias e cargos públicos por meio da progressiva ocupação do Estado por seus quadros. Como corolário desse projeto temos a tese, publicamente defendida, de que um aumento nas funções do Estado é condição indispensável para a eliminação da miséria e a diminuição da concentração de renda. Retomando um argumento exposto em post recente (http://florenceunicamp.blogspot.com/2011/02/o-papel-da-oposicao.html), questiono se a implementação da reforma política insuflará nos partidos de oposição a força interna necessária para defender publicamente outras vias para a solução destas questões históricas, como uma maior valorização da iniciativa privada sem prejuízo para o atendimento social dos mais pobres. Como constatou Jürgen Habermas (“O Discurso Filosófico da Modernidade”), a peculiaridade do mundo pós-revolução francesa é o embate entre valores em uma vigorosa esfera pública, orquestrado por um conjunto de instituições democráticas que garanta a continuidade do processo sem a imposição definitiva de qualquer um desses valores. Nesse contexto, os partidos políticos são agentes privilegiados no combate democrático, mas, é preciso frisar, seu arcabouço organizativo não se confunde com os valores que ostenta, nem, tampouco, os compromissos que contrai podem solapar em definitivo os programas com os quais se apresentam ao público.
Aqui as reflexões do cientista político e do filósofo praticamente se confundem, pois a defesa normativa de uma tendência histórica não compete àquele, mas a este, que busca enxergar por debaixo de pesados esqueletos institucionais um determinado conteúdo axiológico. Chamando a atenção para este conflito de competências verificamos que, no caso da reforma política, uma aposta unilateral na efetividade das instituições pode conduzir, num determinado momento histórico, à vitória totalitária do conjunto axiológico que melhor se articula: no caso, o da estatolatria. 

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