Monday, July 25, 2011

Espaço público e patrimônio histórico

Um aspecto comum à grande maioria das cidades brasileiras (bastante presente nas duas em que já residi) é o abandono dos edifícios históricos, frequentemente entregues à especulação imobiliária ou abandonados a grafiteiros e pessoas afetadas por incontinência urinária. Esse simples fato pode parecer uma questão trivial, meramente estética e acessória em relação a outros problemas urbanos mais graves, como a precariedade de moradias, a falta de saneamento básico e de acessibilidade; todavia, sustento que a negligência para com o patrimônio histórico é uma mazela à altura destas últimas, pois contribui de maneira decisiva para o eclipse da noção de espaço público, inviabilizando a criação de vínculos entre as pessoas entre si e com o espaço comum que habitam. É importante ressaltar que os inúmeros e festejados programas de revitalização urbana, dentre os quais a reforma da Estação da Luz, em São Paulo, foi marco importante, simplesmente não cumprem essa função pública, limitando-se a exibir uma roupagem nova, mas não eliminando os males evidentes no entorno: haja vista a persistência - e o crescimento - da cracolândia. Uma cidade sem história é uma cidade sem alma, com a qual seus habitantes não tem vínculos e - por isso - admitem que qualquer barbaridade motivada pelo lucro ou por conveniência política seja cometida. Não é à toa que no romance 1984, de George Orwell, o regime totalitário da Oceania tinha eliminado ou deixado em ruínas todos os edifícios construídos antes da revolução. De tudo o que foi dito, fica claro que uma revalorização do patrimônio histórico urbanístico - com a conscientização de todos sobre seu significado - é imperativa nos dias de hoje, sendo pilar indispensável da reforma educacional de que nosso país necessita.

Monday, July 18, 2011

A Prefeitura e os camelôs

Atolada em escândalos de corrupção e desacreditada pela maior parte dos munícipes, a prefeitura de Campinas está lançando uma série de campanhas para "moralizar" a administração pública, dentre as quais se inclui uma maior fiscalização contra a pirataria e a possível transferência do camelodromo para a estação Fepasa. Trata-se, logicamente, de mais uma tentativa para desviar a atenção dos eleitores dos reais problemas e passar uma imagem de austeridade às custas da atividade dos menos favorecidos. Contudo, tais medidas abrem espaço para reflexões importantes a respeito do comércio ilegal e do empreendedorismo como um todo: sabendo que boa parte dos produtos comercializados por camelôs é de procedência ilegal e, consequentemente, financia o crime organizado, como combater esse lado nocivo da profissão sem retirar de um expressivo conjunto de famílias seus meios de sustento? Penso que a solução é mais simples do que parece e se resume, simplesmente, em reduzir drasticamente nossa hedionda carga tributária e abrir espaço para que aqueles que se empregam no comércio ilegal montem pequenas empresas e coloquem em prática suas habilidades de empreendedores - injustamente cerceadas por um sistema tributário e jurídico que não dá outra saída senão a inadimplência -, gerando renda para si mesmos, dinamizando a economia e - importante - reduzindo a clientela do crime organizado. Se isso não for feito, toda medida tomada para dificultar a vida dos camelôs não passará de mera demagogia ou de reforma urbana no sistema (falido) inspirado em Haussmann e Pereira Passos.

Wednesday, July 13, 2011

O Exemplo de Itamar

Itamar Franco - que nos deixou há pouco mais de uma semana - deve servir de exemplo para todos aqueles que pensam em reconstruir (ou construir do zero?) a vida política de nosso país. Desde o início de sua carreira esteve firmemente comprometido com a democracia; ao contrário dos políticos de hoje em dia, nunca teve medo de ficar na oposição, cumprindo bravamente esse papel desde a ditadura militar. No decorrer de sua longa carreira, foram pouquíssimos os momentos em que esteve ao lado do poder e em nenhuma dessas situações foi conivente com os desmandos praticados. Eleito vice de Collor em 1989, rompeu com o rajá das Alagoas diante de seu poupulismo barato e de suas práticas nada ortodoxas de exercício do poder; ao assumir a presidência, no final de 1992, Itamar forneceu uma série de bons exemplos que nos devem servir de norte para o estabelecimento de princípios para a reforma da vida política: 1) com o auxílio da sóbria liderança do senador Pedro Simon, estabeleceu uma relação republicana com o congresso nacional, tendo sido o presidente que menos se rendeu ao fisiologismo partidário na nova república. 2) valendo-se da liberdade fornecida pelo equilíbrio de poderes, abriu a possibilidade de que um grupo de técnicos competentes, sob a liderança do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, empreendesse o mais bem sucedido plano econômico da nova república, livrando o país de uma inflação que beirava índices similares aos piores da república de Weimar. E, finalmente, Itamar deixou a presidência pobre e morreu em condições patrimoniais muito inferiores às ostentadas por vereadores que integram o atual condomínio de poder. Em 2010, já idoso e doente, foi o único senador que teve a coragem de enfrentar a sanha de poder do palácio do planalto, que continua se empenhando em anular qualquer possibilidade de funcionamento autônomo do legislativo. Sua morte nos deixa um imenso vácuo político, mas também um grande exemplo. Espelhemo-nos em Itamar Franco!

Saturday, July 9, 2011

O que é um Estado laico?

Neste post não pretendo expor nenhuma ideia pronta, mas apenas expressar uma dúvida decorrente de meus estudos de história e ciência política e pedir aos leitores que me ajudem a enriquecer minhas reflexões: em que consiste exatamente um Estado laico? Respondendo de maneira superficial, poderíamos dizer que um Estado laico é aquele em que política e religião (pelo menos em suas expressões institucionais) não se misturam. Inegavelmente temos hoje em dia - pelo menos no mundo ocidental - sistemas políticos que funcionam com base nesse princípio; caso esteja muito enganado, não existe nenhum Estado nacional ocidental - salvo o Vaticano - regido pelo direito canônico. Uma resposta mais elaborada iria no sentido de traçar uma linha demarcatória clara entre a lógica da política e a lógica da religião, sendo que uma não poderia interferir na outra. Minha dúvida incide precisamente sobre esse ponto: como demarcar essa linha? Toda decisão política - inclusive o processo que leva à elaboração e promulgação de uma norma jurídica - é movida por uma grande variedade de vetores sociológicos, psicológicos, doutrinários e... religiosos. Se isso é verdade, torna-se impossível afastar por completo o elemento religioso da política oficial, haja vista a presença de bancadas religiosas no congresso e a recorrência de argumentos religiosos para defender ou atacar determinados projetos de lei, mas nem por isso podemos dizer que o Estado deixou de ser laico e que voltamos à idade média. Minha dúvida, portanto, permanece: em que sentido devemos entender, hoje, o Estado laico?