Saturday, July 9, 2011

O que é um Estado laico?

Neste post não pretendo expor nenhuma ideia pronta, mas apenas expressar uma dúvida decorrente de meus estudos de história e ciência política e pedir aos leitores que me ajudem a enriquecer minhas reflexões: em que consiste exatamente um Estado laico? Respondendo de maneira superficial, poderíamos dizer que um Estado laico é aquele em que política e religião (pelo menos em suas expressões institucionais) não se misturam. Inegavelmente temos hoje em dia - pelo menos no mundo ocidental - sistemas políticos que funcionam com base nesse princípio; caso esteja muito enganado, não existe nenhum Estado nacional ocidental - salvo o Vaticano - regido pelo direito canônico. Uma resposta mais elaborada iria no sentido de traçar uma linha demarcatória clara entre a lógica da política e a lógica da religião, sendo que uma não poderia interferir na outra. Minha dúvida incide precisamente sobre esse ponto: como demarcar essa linha? Toda decisão política - inclusive o processo que leva à elaboração e promulgação de uma norma jurídica - é movida por uma grande variedade de vetores sociológicos, psicológicos, doutrinários e... religiosos. Se isso é verdade, torna-se impossível afastar por completo o elemento religioso da política oficial, haja vista a presença de bancadas religiosas no congresso e a recorrência de argumentos religiosos para defender ou atacar determinados projetos de lei, mas nem por isso podemos dizer que o Estado deixou de ser laico e que voltamos à idade média. Minha dúvida, portanto, permanece: em que sentido devemos entender, hoje, o Estado laico?

7 comments:

  1. Evidentemente que como tudo nesses assuntos me falta base teórica, mas veja se ajudo. Sempre entendi o estado laico pensando, na verdade, no seu diametral oposto, um estado religioso. Este é regido (de uma forma ou de outra) por um líder religioso, seja ao lado de um líder executivo, seja mesmo acima. Assim, na liderança dos países muçulmanos estaria o Ayatolá, no vaticano, o Papa, e assim por diante. O estado laico, por sua vez, não conta com essa figura, apenas com a influência natural da(s) religião(ões) sobre a política. Que lhe parece?

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  2. Compartilho da sua opinião, Bruno. Estado laico é simplesmente aquele que não é governado por um líder religioso nem regido pelo direito canônico ou corânico ou algo que o valha. É por isso que acho inadequadas as campanhas atuais que visam impedir que evangélicos e católicos exprimam suas opiniões (cf "marcha pelo estado laico"). São cidadãos como quaisquer outros e tem o direito de tentar interferir na política de acordo com seus valores, assim como os outros (ateus declarados) o fazem; estado laico não é estado ateu, muito pelo contrário, ateísmo é um tipo de religião! A nota característica da modernidade, como bem viu Weber, é o conflito social entre valores e ele deve ser preservado por parâmetros democráticos.

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  3. Acredito que Estado Laico é aquele que, além de não ser governado por um grupo religioso, respeita a liberdade religiosa, ou seja, respeita qualquer sentimento religioso de forma igual, sem preferências. Estado laico é aquele que não tem nenhuma relação com qualquer grupo religioso e, ao mesmo tempo, preserva o direito de todos os indivíduos de professar qualquer fé, inclusive o direito das pessoas que não professam coisa alguma. É por isso que acho totalmente aceitável a formação da "Bancada Evangélica"ou do "Grupo Cristão" no Congresso Nacional, pois a todos é assegurado o direito de reunião e a liberdade de pensamento/religiosa. A formação de tais grupos vai ao encontro do nosso ordenamento jurídico e ao do conceito moderno das liberdades; até mesmo porque o Estado não é regido por esses grupos, esses grupos somente representam, de uma forma muito democrática, parcela da população. Como somos nós que elegemos nossos representantes, se não quisermos esses grupos em Brasília, então o sufrágio deverá ser exercido.

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  4. Caro Diogo, também sou dessa opinião, você pegou o assunto por um outro viés (a da formação de bancadas parlamentares). Eu pensei especialmente na elaboração de leis, decisões judiciais, etc.. Temos que ter em mente que a formação de nossa cultura é judaico-cristã e, logo, é impossível ter um arcabouço institucional livre de qualquer conteúdo religioso. O importante é que todas as opções nesse campo sejam respeitadas, mas afastar o conteúdo judaico-cristão do direito - por exemplo - é inviabilizá-lo. Basta lembrar que Savigny observou que a maior parte dos princípios do direito são derivados de mandamentos religiosos.

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  5. Exatamente, é impossível "livrar" o Direito das influências religiosas. O Direito e a Religião fazem parte da sociedade, eles pertencem a ela. A grande diferença entre os países ocidentais e os orientais é que no ocidente o Direito se distanciou de forma mais contundente da Religião, já no mundo oriental ele ainda forma um amálgama, perfeita conexão, com a religião --- um exemplo disso seria a Sharia nos países mulçumanos. Não podemos dizer que no mundo ocidental o Direito não sofre qualquer influência religiosa, isso seria errado, óbvio que sofre - como você muito bem mencionou -, mas o Direito no ocidente se distanciou de tal maneira da religião que atualmente ele aparece como uma ciência, com seus preceitos próprios. O Direito não deixa de ser um espelho da sociedade, e não poderia ser diferente, pois caso contrário a norma elaborada em desacordo com a sociedade que prentede reger sofreria a pena capital, ineficácia, não operaria qualquer efeito na sociedade... norma obsoleta.

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  6. Pois é, Diogo, no ocidente o direito adquiriu uma lógica própria. Ele se racionalizou (pra utilizar o termo de Weber), mas seus resquícios religiosos são inegáveis. O que eu acho demagógico são pessoas que pegam a bandeira do estado laico e saem dizendo que ninguém pode alegar motivos religiosos em política. E o ateísmo também não é opção religiosa por acaso? Ele é diferente do laicismo (que se refere à indiferença).

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  7. Gente, passou batido a questão da justificação das regras sociais. O estado laico cria normas de conduta baseadas na argumentação racional (ou ao menos assim deveria ser), enquanto o estado religioso elabora normas de conduta baseada na determinação divina, e a justificativa se dá por meio da fé. O problema das bancadas religiosas se dá porque tentam impor normas via argumentação da fé (deve ser assim porque deus quer) e não deve ser assim porque assim é melhor por tal e tal motivo.

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