Monday, July 25, 2011

Espaço público e patrimônio histórico

Um aspecto comum à grande maioria das cidades brasileiras (bastante presente nas duas em que já residi) é o abandono dos edifícios históricos, frequentemente entregues à especulação imobiliária ou abandonados a grafiteiros e pessoas afetadas por incontinência urinária. Esse simples fato pode parecer uma questão trivial, meramente estética e acessória em relação a outros problemas urbanos mais graves, como a precariedade de moradias, a falta de saneamento básico e de acessibilidade; todavia, sustento que a negligência para com o patrimônio histórico é uma mazela à altura destas últimas, pois contribui de maneira decisiva para o eclipse da noção de espaço público, inviabilizando a criação de vínculos entre as pessoas entre si e com o espaço comum que habitam. É importante ressaltar que os inúmeros e festejados programas de revitalização urbana, dentre os quais a reforma da Estação da Luz, em São Paulo, foi marco importante, simplesmente não cumprem essa função pública, limitando-se a exibir uma roupagem nova, mas não eliminando os males evidentes no entorno: haja vista a persistência - e o crescimento - da cracolândia. Uma cidade sem história é uma cidade sem alma, com a qual seus habitantes não tem vínculos e - por isso - admitem que qualquer barbaridade motivada pelo lucro ou por conveniência política seja cometida. Não é à toa que no romance 1984, de George Orwell, o regime totalitário da Oceania tinha eliminado ou deixado em ruínas todos os edifícios construídos antes da revolução. De tudo o que foi dito, fica claro que uma revalorização do patrimônio histórico urbanístico - com a conscientização de todos sobre seu significado - é imperativa nos dias de hoje, sendo pilar indispensável da reforma educacional de que nosso país necessita.

2 comments:

  1. Olá Fábio,
    Em alguns países, existem alguns artifícios que acabam fazendo esse papel de criar uma consciência coletiva no que tange a preservação e valorização de certos lugares. Não é à toa que fãs da sétima arte são capazes de reconhecer lugares pontuais por cidades mundo a fora sem nunca terem estado lá. Estes lugares foram, são, e continuam sendo pano de fundo de muitos e muitos filmes. É de se notar que no cinema brasileiro, o uso do espaço público aparece seguindo uma direção contrária. Se o cinema, em alguns países, faz questão de mostrar que um filme se passa numa cidade específica, e em praças e restaurantes reais, por aqui temos uma ficção do cenário. Se no filme, a cena se passa numa “escola de ensino médio”, a produção faz as gravações de cena numa sala de aula dentro de uma “universidade pública,” próxima do polo cinematográfico. Gastam bastante dinheiro com computação gráfica para transformar lugares reais em lugares imaginários.
    É muito de leve que as praças, avenidas, edifício e demais lugares públicos são utilizados de forma real, deixando explícito o lugar que realmente existe. O ator deixa seu “eu” real para dar vida a um “eu” imaginário, nossos lugares públicos são travestidos com o anonimato, para dar vida a uma praça qualquer, numa cidade qualquer, frequentado por pessoas em geral.
    Com isso, tenho a impressão de que não é apenas com especulação imobiliária, pixações e urina que desvalorizamos o espaço público. Parece existir no consciente coletivo um gênio maligno muito bem acomodado que nos mais diversos aspectos do nosso dia a dia nos conduz a uma completa indiferença ou apatia diante do mundo que existe à nossa volta. É como se esse gênio maligno ficasse nos dizendo que nada fora de nós existe; que pessoas não existem; que lugares não existem. E como num sonho onde tudo parece ser fruto da nossa imaginação, o espaço público, e tudo que vemos nele, é confuso e obscuro, um verdadeiro erro dos sentidos.
    Em resumo, assino com você: só uma dose cavalar de educação para nos tirar da dúvida. Só argumentos fortes para fazer perceber e valorizar um mundo que existe fora de nossos umbigos.
    Parabéns pelo texto. Abraços.
    Tennessee

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  2. Tennessee, obrigado pelo comentário. Vc tocou num ponto interessante, parece que o próprio conjunto da cultura oficial brasileira tende à desvalorização do espaço público. O exemplo dos filmes é ilustrativo, as cidades geralmente são mostradas como espaços decaídos (para reforçar um certo tipo de crítica social que virou moda nos filmes atuais) ou como simples panos de fundo (de importância secundária ou terciária) para enredos puramente pessoais. O oposto disso é claro em bons filmes europeus ou americanos, nos quais o local onde é filmado faz TODA a diferença para o conteúdo da história.
    Um abraço!

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