Sunday, February 13, 2011

Enfrentando o caos urbano nas metrópoles brasileiras

Seria provavelmente desinteressante e improdutivo arrolar os problemas dos quais padecem atualmente as grandes cidades brasileiras sem fornecer uma contrapartida de soluções praticáveis. Não pretendo empreender aqui algo de tal magnitude, mas simplesmente tecer breves comentários sobre um desses problemas e os possíveis caminhos a seguir se dele pretendermos nos ocupar: a degradação das áreas centrais nas grandes metrópoles brasileiras, particularmente da capital paulista.
No entender de um renomado especialista sobre o assunto, o arquiteto Nabil Bonduki (www.nabil.org.br), a degradação do centro de São Paulo está associada ao despovoamento dessa região, que, permanecendo como ponto de confluência e distribuição de transportes urbanos, tornou-se um pólo de comércio informal e usuários de drogas (cracolândias). A principal causa desse fluxo evasivo de moradores das áreas centrais consistiria na instalação dos serviços que atraem a demanda das classes mais favorecidas em regiões cada vez mais distantes do centro, onde, por seu turno, sobram edifícios abandonados ou sem utilização adequada. Acrescenta-se a isso o fato de que a área central nunca foi predominantemente povoada pelas populações de baixa renda, que, ao se instalar na cidade especialmente entre o final da década de 1960 e o começo da década de 1980 (época do grande fluxo migratório nordestino), foram compelidas a formar "anéis de pobreza" em bairros cada vez mais distantes e desprovidos de condições mínimas de infraestrutura.
O resultado desse processo é duplamente perverso: simultaneamente, sobram prédios sem aproveitamento na zona central  e grandes populações se comprimem em bairros cada vez mais distantes das áreas em que a economia é mais aquecida e, por conseguinte, se concentra a geração de empregos. Mais ainda, mesmo em seu atual estado de abandono, os imóveis situados no centro de São Paulo são de custo muito elevado para que a maior parte da população arque com suas despesas.
Do ponto de vista teórico e abstrato, boa parte da solução reside no incentivo à formação de laços comunitários a partir da estrutura por meio da qual o espaço urbano se configura. No entender da renomada urbanista Jane Jacobs (The Death and Life of Great American Cities, Modern Library, 1961), competiria ao poder público estimular, a um só tempo, a diversidade de funções urbanas e os espaços de convivência comunitários em todas as áreas: parques, calçadões, edifícios antigos com utilização pública, etc. A morte de uma grande cidade seria sua especialização unilateral, acelerada pela construção desenfreada de obras viárias.
No entanto, a solução cuja defesa fazia sentido para o crescimento verificado nas metrópoles estadunidenses dos anos 60 seria minimamente factível em uma metrópole brasileira como São Paulo? Há importantes indicadores em sentido positivo, como o sucesso consolidado da virada cultural e alguns projetos (ainda em fase embrionária) no sentido de possibilitar a instalação de habitações populares na zona central, economizando no transporte que conduz trabalhadores aos seus locais de trabalho e diminuindo as condições "ecológicas" (para utilizar um termo caro à escola de Chicago) para a instalação de novas cracolândias. Por outro lado, há também um conjunto de ações que conduzem perigosamente a novas tendências de especialização, como o estímulo ao aproveitamento unilateral de zonas inteiras para grandes projetos da iniciativa privada sem repercussão favorável para os moradores. Quer parecer, todavia, que uma eficácia verdadeiramente sólida do projeto de revitalização urbana passa por uma delicada combinação de incentivos públicos com a ação da iniciativa privada. Resta saber se os interesses usualmente predatórios dos grupos financeiros que investem no Brasil encamparão projetos de tamanha relevância social a despeito do eventual atraso que isto pode provocar em seu acelerado fluxo de rendimentos.

4 comments:

  1. faz um tempo que vi uma reportagem sobre o aumento progressivo do iptu para imóveis ociosos no centro de são paulo (http://www.estadao.com.br/noticias/geral,imovel-vazio-no-centro-de-sao-paulo-pagara-mais-iptu,574104,0.htm) e achei uma boa alternativa para que essa situação de degradação comece a mudar. certamente o empresariado também poderia investir, só não pode fazer igual ao eike batista, que comprou o hotel glória para revitalizá-lo e acabou destruindo as obras do João Martins, pintadas a mão, da década de 60!

    fora isso, parabéns pelo blog, fábio. abraço!

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  2. Gostei do blog. Está muito bem escrito com referências bibliográficas interessantes. Meus parabéns, Fabio!

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  3. Fabio, valeu pelo texto! Esses dias estava pensando sobre a questão do rumo das cidades, sobre como a gente perde com o descaso em relação ao nosso espaço urbano. Para começar, o urbanismo é matéria que ninguém dá a mínima.
    O que pega mais é a ausência de um plano diretor para as cidades brasileiras, é o estatuto das cidades já rolar há um tempo e ninguém obedecer, em nome de uma ocupação desordenada, levada pela grana da exploração imobiliária. Com isso a cidade cresce feia, sem rumo, sem lei, prejudicando a qualidade de vida de todos, destruindo patrimônio, obras belíssimas. O que revolta é a caipirada sair do Brasil depois e elogiar as cidades européias, desconhecendo a atenção deles em relação ao urbanismo, ainda um nome estranho aos ouvidos brasileiros.

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  4. Olá, pessoal.
    Natália, certamente essa medida relativa ao IPTU está relacionada a um dos pontos que comentei: a colocação no mercado de imóveis que estão fora dele por capricho de seus proprietários. Infelizmente, vc sabe como a administração pública é lenta para colocar em prática esse tipo de medida.
    Digabou, uma urbanista chamada Ermínia Maricato escreveu um artigo interessante (porém meio partidário demais) no qual afirma que o plano diretor existe, mas teima em não ser cumprido, acabando por preencher apenas uma função "ideológica". A grande questão parece ser a especulação imobiliária e a necessidade de uma série de investimentos que - aparentemente - não seriam lucrativos para a iniciativa privada.

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