Thursday, August 18, 2011

A Pedagogia de Haddad


Para quem esperava uma discussão sobre os rumos da educação no Brasil, o debate dos alunos do Largo São Francisco com o ministro Fernando Haddad, realizado na última terça feira, deixou muito a desejar. O convidado claramente esperava uma chuva de louvores, mesclados com poucos ataques frontais desferidos por frações radicais do movimento estudantil, para os quais ele já dispõe de respostas prontas; mas não esperava ter de prestar contas sobre assuntos vitais, como a preocupante expansão do analfabetismo funcional entre a população escolarizada de nosso país.
Pensando nessa questão, elaborei uma pergunta partindo do fato evidente – e louvável – de que os governos Lula e Dilma vem aumentando substancialmente os investimentos em educação básica e superior. Todavia, meu questionamento se concentrou na maneira como esses recursos são atualmente empregados: basicamente no incremento da infraestrutura e na contratação de pessoal, assim como na inclusão de disciplinas como filosofia e sociologia no currículo do ensino médio. Guardando esses dados, voltemos ao problema do analfabetismo funcional, indagando sobre suas causas; o analfabeto funcional é aquele que sabe ler, mas não entende o que lê, não sabe interpretar um texto. As causas dessa deficiência podem ser agrupadas sob três categorias: falta de raciocínio lógico, falta de domínio da língua e pobreza de recursos imaginativos. Como combater esses três fatores? A resposta é simples: incluir (ou melhorar) disciplinas de currículo básico que desenvolvam essas qualidades. Para o raciocínio lógico, um curso de lógica elementar (como havia no currículo até os anos 40) e não essa matemática altamente sofisticada que se ensina no colégio nem, tampouco, cursos de sociologia e filosofia, cujos arcabouços conceituais são tão complexos e controversos que nem mesmo um grande especialista consegue defini-los com segurança; para o domínio da língua, uma maior valorização da gramática normativa, talvez com a adoção de manuais clássicos, que sempre obtiveram ótimos resultados; por fim, para o incremento de recursos imaginativos, um maior incentivo à leitura de clássicos da literatura brasileira e portuguesa (hoje em dia lê-se muito pouco entre os jovens e literatura de quinta categoria, ninguém mais lê Camões, Antonio Vieira, Camilo Castelo Branco, Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, etc...). Em síntese, questionei o ministro sobre o por que de nada disso estar sendo feito.
Espantado com o questionamento, ele tergiversou, num primeiro momento reconheceu a qualidade da pergunta, mas, logo em seguida, disse que tratava-se de uma questão financeira, que estava aumentando os investimentos em ensino básico e que a escolaridade brasileira já é melhor que a da Argentina (escolaridade meramente quantitativa, pois basta comparar o domínio da língua e da literatura de um jovem argentino com um brasileiro para constatar nossa vergonhosa desvantagem). Disse também que eu estava separando ensino primário e ensino superior, o que não fazia sentido, pois deve-se ter uma visão integrada dos dois (coisa estranha quando todos sabemos que há um abismo de distância entre os conteúdos de ensino médio e de ensino superior, não raro sendo aqueles totalmente descartados pelos alunos quando entram na universidade).
Depois disso, Haddad chamou a atenção para a importância das lutas estudantis, dizendo que devemos cobrar cada vez mais melhorias na qualidade do ensino. Mas, ora bolas, se nem ele mesmo sabe qual é o conteúdo dessas mudanças, o que é um ensino de qualidade, quais os planos de ação que devem ser empregados para atingir essa finalidade, qual é o sentido dessa luta? Por tudo que foi dito, a única resposta possível é: exigir mais recursos para a educação. Realizou-se, portanto, aquilo que temíamos e criticávamos nos governos anteriores: o MEC se tornou uma sucursal do ministério do planejamento

7 comments:

  1. Gostei muito mesmo do seu post... Meus parabéns Fabião! :)

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  2. Concordo quanto ao incentivo à literatura. Discordo quanto ao curso de lógica elementar, assim como da gramática normativa. Fui alfabetizado no método construtivista e não consigo conceber a idéia do aprendizado da língua e da lógica por outro meio que não o próprio processo de aprendizado.

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  3. Bela pergunta, Fábio, pena que a resposta foi tão evasiva. Seria porque os esforços governamentais sejam em criar estatísticas palpáveis, ou invés de qualitativas? Talvez, por outro lado, estejamos em um momento de prover mais estrutura básica, simplesmente oferecer mais escolas, para depois passarmos a um momento de pensar na forma e conteúdo lecionados. Mas realmente, não sei se teria uma resposta.

    Discordo, entretanto, que a matemática ensinada no colégio é complexa e/ou avançada, e aproveito dessa discordância para apontar a um fato simples: o problema é a forma como os assuntos são apresentados. A matemática colegial é ensinada completamente sem utilidade prática, meramente como uma ferramenta para se entrar no vestibular. Não se ensina a pensar na lógica daquilo que se está fazendo (as correlações entre as fórmulas, os efeitos daquilo que se aprende), mas apenas foca-se em ensinar porque se tem de aprender. O mesmo, diga-se, aplica-se às aulas de história. Conhecer os erros do passado para que não se repitam não dá estímulo nenhum ao aluno para que aprenda um assunto. Falta objetivo final naquilo que é ensinado, parece-me, e a meu ver, é este o problema.

    Abs!

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  4. Dido, o curso de lógica elementar era oferecido no colégio e nos cursinhos brasileiros até a década de 1950, senão me engano; quanto à gramática normativa, o afrouxamento em seu ensino é contínuo desde os anos 60. Basta comparar a qualidade dos argumentos e dos debates na mídia e na universidade até 1960 e poucos e hoje em dia para constatar o desastre atual. Bruno, essa minha opinião sobre o ensino da matemática é baseada na comparação com o sistema de ensino básico dos Estados Unidos, onde a matemática ensinada é bastante elementar se comparada com a nossa, mas, em compensação, o incentivo à leitura dos clássicos e ao estudo da gramática normativa da língua são muito mais intensos do que por aqui. Como estou sobretudo preocupado com a capacidade dos indivíduos para discutir ideias na esfera pública, posso afirmar que por lá os debates são de muito maior qualidade do que por aqui e que isso é devido à posse de um maior e melhor repertório de leituras exigidas nos anos de ensino básico.

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  5. Caro Fábio! Belamente escrito. Concordo em absoluto com a conclusão. Mesmo assim, questiono uma premissa: não te pareceria o ensino de filosofia no ensino médio contribuir para incrementar a relação, hoje paupérrima, entre universidade pública e ensino médio e fundamental? Porque o professor de filosofia no ensino médio, isso é a possibilidade dele relacionar-se não somente com o ensino médio, mas com o ensino pré superior em geral, simplesmente pela vinculação advinda do trabalho, você não acha?
    Achei, no mais, a sua presença de espírito, para efetivamente pôr a questão frente o ministro, digna de nota - , apesar de, como acima, talvez diferir no detalhe formal dessa questão. Cumprimentos! Abs, Fábio N.

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